A passagem de religiosos, aqueles que se dedicam, digamos, profissionalmente, à pregação da palavra de Deus, nas diferentes igrejas que conhecemos, costuma deixar marcas nas comunidades nas quais estiveram desenvolvendo suas atividades.
Marcas essas, que podem ser na “fé”, no campo da crença religiosa e sua aplicação prática, ou então no culto às tradições e ritos já estabelecidos; assim como, marcas que podemos chamar de“concretas”, no sentido de físico, material, realizadas por obra de seu trabalho direto ou indireto.
Se o trabalho de religiosos que permanecem em nossas comunidades por alguns poucos anos, marca sua passagem por aqui, proporcionando ser lembrados pelos fiéis e não só eles (pois a ação, muitas vezes, se estende além das fronteiras da sua igreja), mesmo muito tempo depois de sua partida, não menosprezando a capacidade individual, a empatia, o carisma, e o relacionamento interpessoal de cada um deles, mas, o “tempo” em que esse relacionamento, esse contato com a comunidade dura, é também fator importantíssimo para o estabelecimento desses laços criados entre ambos.
Assim se as pessoas (com suas capacidades pessoais) deixam marcas num trabalho de, por exemplo, cinco anos de duração, imagine se esse tempo de atuação for maior, 6, 7, 8, 10, 15, 30 anos, enfim, praticamente o tempo do que chamamos de uma vida profissional, ou para alguns o da própria vida biológica, mais do que lembranças na memória de alguns, esse religioso pode transformar sua atuação em parte da história daquela comunidade.
Como é o caso do “Cônego José Ernser”, vigário da igreja Matriz do Senhor Bom Jesus da Coluna por 32 anos (de 1903 a 1935), cujas marcas resistem até nossos dias.
Alemão de nascimento, que cursou Teologia no Tirol e em Londres, ao chegar ao Brasil atuou como Co-adjutor (aquele que assessora o vigário) da paróquia de Joinville, uma tarefa nada simples que englobava, entre outras coisas, a visita às colônias então existentes na região, isso em uma época (1898) de poucas e precárias estradas, de trajetos sem estrutura, perigosos, de viagens árduas, demoradas, sobre o lombo de animais e enfrentando o sol, achuva, as geadas e obstáculos do nosso relevo (como morros, declives e rios).
Pároco da Igreja do Senhor Bom Jesus a partir de 1903, o Padre José Ernserchegou à uma Riomafra diferente da atual, menor em população, mas de território muito maior e com uma população etnicamente muito diversa (imigrantes e colonos de várias regiões e culturas), onde aquela pequena igreja no centro da Vila, criada na época da fundação do nosso núcleo populacional, na abertura da Estrada da Mata, era a única representante da Igreja Católica em Riomafra, por isso não é difícil ainda ouvir a história de fiéis que realizavam longas caminhadas ou verdadeiras “viagens” de carroça para poder assistir a missa aos domingos.
A pequena estrutura das instalações da igreja (construída em 1879 em substituição à antiga capela em madeira transladada da margem esquerda (Mafra), para a margem direita (Rio Negro) por volta de 1859) aparentemente insuficiente para suprir a demanda de fiéis, deu início a um empreendimento ousado, a construção de uma nova igreja, de proporções bem maiores, em uma cidade pequena, de população simples e com orçamentos restritos.
Após anos de trabalho, em 1916 era inaugurada a nova Igreja do Senhor Bom Jesus da Coluna, que mesmo após algumas reformas, que lhe alteraram o interior, o telhado e acrescentaram as duas torres laterais, conserva hoje, 98 anos depois, praticamente a mesma estrutura do passado.
No ano seguinte, em 1917, quando fixou-se definitivamente as fronteiras entre os estados do Paraná e Santa Catarina, mesmo com a criação de Mafra e sua autonomia administrativa, em termos religiosos católicos, os mafrenses continuavam ligados a Rio Negro, pois continuavam a integrar a Paróquia do Senhor Bom Jesus da Coluna, sob a tutela do vigário José Ernser.
Após a pesquisa, discussão e definição do local mais propício (no terreno do antigo cemitério ou em uma área mais ampla no alto de Mafra), em 1920, o religioso benzia a pedra fundamental da construção do templo mafrense, cujas obras encerraram-se em 1929, quando então criou-se a paróquia São José.
Afastado da igreja do Senhor Bom Jesus após 32 anos de atuação em Riomafra, o Cônego José Ernser acabou por falecer naquele mesmo ano de 1935, quando, transladado de trem para cá, teve seu repouso no cemitério de Rio Negro, cidade em que tanto trabalhou e tantas marcas deixou, que vão além ainda da construção dessas igrejas e mereceram em breve um texto à parte.