Tão comum quanto tomar chimarrão em rodas de conversa com os amigos, também é o hábito, que digamos, é tido como sinal de “boa educação” para muitas famílias de nossa Riomafra, de servir (e compartilhar) o “mate” àqueles que nos visitam.
Um costume cuja história se perde no tempo, entre indígenas, tropeiros e tantos outros, mas que foi muito bem acolhido pelas demais etnias que aqui se reuniram com o passar dos anos e, que hoje, figura ativamente em nossa região, sendo assim a presença de cuias, bombas e pacotes de erva-mate utensílios e produto praticamente obrigatório às cozinhas, armários e dispensas da nossa população.
Essa erva que não é só parte integrante de nossas tradições, como também produto “antigo” da nossa agricultura, não sendo raro até os dias de hoje, o cultivo da erva-mate em nosso interior, que segue para o beneficiamento industrial ou, em alguns casos, ainda é preparada de forma artesanal, onde a poda, o sapeco, a secagem e a moenda conferem um sabor todo original, tão puro quanto forte.
Uma cultura que, entre o final do século 19 e os anos de 1940, quando o comércio agregava à Ilex Paraguariensis (em seu nome científico) os títulos de “Aceleradora das funções orgânicas”, “Reservatório de vitalidade” e até “Enganadora da fome”, era um dos principais (senão o principal) motores da economia local. Importância que lhe tornou objeto de leis municipais, que buscavam incentivar, organizar, regular e recompensar sua produção. Assim, nos primórdios de Mafra, o primeiro Código de Posturas do município (conjunto de normas dirigidas a todas as áreas de atuação do poder público municipal), datado de 1917, já demonstrava a atenção que se dedicava a esse tema.
Dessa forma, na busca do desenvolvimento da cidade, a transformação de áreas rurais consideradas improdutivas, tratadas à época como “campo de vassouras”, em locais produtivos, como eram consideradas as terras dedicadas ao plantio de alfafa para a criação de gado; ao cultivo de pinheiros ou eucaliptos, para a produção de madeira; e à exploração da erva-mate; era muito bem vista pela administração local, que oferecia uma gratificação aos proprietários de áreas bem cultivadas, o que, no caso nosso específico da erva-mate, representava uma quantia de 200 mil réis para cada alqueire com mil pés da referida planta.
A regulação da produção ficava por conta do estabelecimento de regras em relação à primeira poda ou corte, que não poderia acontecer antes de completar quatro anos após o plantio (para não prejudicar o desenvolvimento da árvore); ou das podas para a efetiva produção, que também deveriam acontecer com um intervalo mínimo de quatro anos; e, a proibição do corte entre os meses de outubro a abril.
Mais do que cultivada aqui, a erva-mate era, em boa parte, também beneficiada em nossas cidades, assim, além de movimentar o setor agrícola local, ela representava também um bom negócio a outras áreas, pois a “industrialização” desse produto nos diversos engenhos de beneficiamento existentes em Mafra e Rio Negro, requeria também a fabricação de barricas de madeira para seu armazenamento, assim como de transporte entre as diversas fases de sua produção (colheita, beneficiamento, acondicionamento e venda), num grande conjunto de atividades que giravam ao redor de um produto comum, que gerava emprego e riqueza e, que por assim ser, necessitava de uma estrutura condizente com essa importância.
Como pode ser verificado com o exemplo da fábrica de beneficiar erva-mate Bom Jesus, fundada 1893 em Rio Negro, por Miguel José Grein e que, de propriedade de Alfredo de Almeida Junior, contava com maquinário movido à vapor, tinha ligação direta (por trilhos) com o ramal ferroviário da cidade e, empregava cerca de 25 operários no beneficiamento da erva, enquanto outros 26 eram responsáveis pela fabricação das barricas utilizadas para seu armazenamento. Isso sem falar nos envolvidos no processo de escoamento da produção, realizado por meio dos barcos que trafegavam pelo rio Negro ou das carroças (e depois caminhões) que transportavam a erva-mate, principalmente pela Estrada Dona Francisca, até o litoral.
Atividades importantes para a economia local, cujo incentivo podia ser observado pela existência de um imposto específico sobre a erva aqui produzida, mas que uma vez comprada era levada para fora de Riomafra, para ser beneficiada fora de nossas fronteiras.
Impostos que é claro, também incidiam sobre a nossa produção e que alimentavam a arrecadação municipal, como o imposto para erva de exportação, geralmente direcionada aos mercados consumidores do Uruguai, Argentina e Chile. Produto de qualidade comprovada, que rendeu homenagem a José Severiano Maia no ano de 1919 e, que, em sentido contrário, rendeu multa a outro produtor que foi pego adicionando congonha (uma planta parecida) na erva-mate que deveria ser pura.
Mas, como nada é perfeito ou agrada a todos, essa abrangência da erva-mate em seu período áureo, também era alvo de críticas, pois a centralização das atenções e principalmente, a atração de grande parte da mão de obra disponível no município era considerada por muitos, prejudicial, pois relegava a um segundo plano as demais culturas, que teriam seu potencial mal aproveitado em razão disso.
E, como tudo que atinge um ápice tende a desacelerar, a erva–mate também teve seu declínio, causado por inúmeros fatores, que vão desde a concorrência de outras regiões produtoras; dos problemas de transporte, como o também declínio da navegação pelo rio Negro; o natural desgaste do produto pelo longo período em que permaneceu atraente ao olhos da agricultura, indústria e comércio; e, a ascensão de outras culturas e atividades que acabaram por dividir a atenção do mercado.
Assim, recordar um pouco da história da planta (e de tudo o que lhe cercou) que foi um verdadeiro “Reservatório de Vitalidade”, não só para a saúde (como diziam as propagandas da época), mas principalmente para a nossa economia, é relembrar uma importante fase da própria Riomafra.