Quem nunca ouviu uma pessoa com mais idade (e não importa o quanto seja essa “mais idade”, 80, 60, 40, 20 ou mesmo 10 anos) dizer que “no seu tempo” as crianças eram diferentes das atuais, na maioria (senão todas) das vezes apresentadas como mais disciplinadas, felizes, criativas, educadas, trabalhadoras, isso numa época classificada como “quando tudo era mais difícil”, em clara exposição de uma impressão pessoal de comparação, onde o passado (nesse caso, em relação às crianças) foi melhor do que o presente é.
Pode ser que a ideia seja realmente uma verdade; pode ser que não passe de um natural saudosismo, onde geralmente coloca-se o passado em condição de superioridade em relação ao presente (o que acontece em muitos casos); ou ainda, que pode ser real em determinados casos e exagero em outros.
Mas é fato que as crianças de ontem e hoje possuem diferenças, ao longo do tempo elas vêm tendo mais e mais acesso à informação, maior contato com tecnologia, sendo estimuladas a serem mais críticas e participativas, tendo mais liberdades, tendo uma educação familiar diversa, menos contato com os próprios pais, enfim, a soma de tempos e contextos diferentes é igual a crianças da mesma forma diferentes, não sendo “diferente”, necessariamente um sinônimo de “pior” ou “melhor”, mas simplesmente “não exatamente igual”.
Pois crianças, independentemente de “quando”, comumente reúnem em si vários dos mais belos sentimentos e qualidades humanas, são puras, curiosas, sempre querem conhecer coisas novas, não se contentam com a mesmice, se fascinam com as coisas simples do mundo, são sinceras, valorizam a imaginação, externam sem vergonha os seus sentimentos, são capazes de fazer até o adulto mais carrancudo sorrir, e aprendem, aprendem muito, com o seu contato com o mundo, com os amiguinhos e os adultos, principalmente com os exemplos que deles recebem, sejam eles repassados de forma intencional ou não.
Apesar da história ser composta por fatos, personagens e processos, cuja complexidade podem gerar a ideia de distanciamento das crianças desses acontecimentos, em uma imagem de envolvimento e repercussão exclusivamente da população adulta, muitas vezes, o impacto desses acontecimentos para “os pequenos” é muito maior do que para os mais velhos, basta um olhar um pouco mais atento para trás, para perceber que por diversas vezes as crianças estavam muito mais próximas e envolvidas nos nossos fatos históricos do que podemos imaginar, porém sem receber a atenção que mereciam.
Enquanto em março de 1845, o nascimento do filho do imperador Dom Pedro II era comunicado oficialmente, por escrito, à todas as cidades da Província de São Paulo, como a Villa do Príncipe (da qual fazíamos parte), para que ali fossem realizadas demonstrações de “júbilo e contentamento”, ressaltando a importância do nascimento daquela criança para a sociedade brasileira, outros meninos, em diferentes ocasiões de nossa história, nascidos em berços não tão esplendidos, tinham suas existências menos destacadas, chegando a irrelevância e a simples ignorância.
Como o foi em meio as violentas lutas da Guerra do Contestado, que não só geraram grande número de mortos, como uma consequente legião de órfãos, marcados por uma violência da qual não faziam ideia real da razão, mas que levaram como cicatrizes para a vida, não importando o lado do campo de batalha ocupado por seus pais. Bem próximo de nós, em 1915, o abrigamento provisório de “Fanáticos” nas dependências do colégio Barão de Antonina de Rio Negro, após terem-se rendido às tropas militares, ilustra bem a colocação, pois várias são as crianças (de diferentes idades) que ali estavam.
Outro fato interessante, é a presença de grande número de crianças nas recepções feitas no passado, à importantes autoridades políticas em nossos municípios, seja isso por curiosidade, obrigação ou conveniência. Como o que revela a imagem da chegada do governador paranaense Carlos Cavalcanti, na estação ferroviária de Rio Negro em 1913, sob os olhares de grande quantidade de crianças, das quais chama a atenção os trajes, as roupas que usavam na época, com destaque nos vestidos, calças curtas e chapéus, num contraste com o vestir atual de nossas crianças; mas que pode apontar um contraste ainda mais gritante, também relativo ao vestuário, mas ligado diretamente àquela mesma cena, pois enquanto homens figuram elegantemente trajados, inclusive com o uso de chapéus no modelo “cartola”, existem também crianças que sem calçados, acompanham tudo de “pé no chão”.
Outra situação problemática de nossa infância que requer lembrança, é o fato de que crianças, junto de suas famílias, foram colocadas em situação de extremo risco, nas péssimas condições proporcionadas a vários de nossos imigrantes, quando de sua chegada aqui em nossa terra, havendo casos de (além da falta de instalações adequadas, higiene, alimentação e saúde) rapto de algumas dessas crianças por indígenas, devido ao fato de seus pais terem sido colocados em situação direta de enfrentamento étnico. Ou ainda, aquelas crianças que foram privadas do ensino do idioma de seus pais ou avós por ocasião de medidas adotadas por ocasião da 2ª Guerra Mundial, marginalizado-as de certa forma por suas origens estrangeiras.
Assim, é no mínimo um grande erro, acreditar que as crianças estão alheias às nossas atitudes, mesmo quando estas não lhes são diretamente dirigidas. Atos inconsequentes, omissões ou ações intencionais de pura fachada, sem resultados práticos positivos, influenciam a vida das crianças e por consequência, tem impacto direto na sociedade que temos e que viremos a ter, por isso e, pelo simples fato de que nossos filhos representam não só a continuidade de nós mesmos, como o melhor do que o ser humano pode ser, as crianças merecem nosso respeito, nossa atenção, nossa preocupação e acima de tudo o nosso amor.